DENISE EGASHIRA
- Editorial Hope

- 12 de set.
- 8 min de leitura
Por: Bianca Silvino

1- Qual foi o seu maior desafio em escrever o livro?
Reviver tudo que havia escrito. O meu livro é um produto da dor, da vivência do meu luto. Contém textos diversos que foram escritos entre o primeiro e o sétimo ano da partida do meu filho. Cartas para ele. Constatações dos meus sentimentos em momentos diversos. Nos seus aniversários, nas datas comemorativas (natal, dia das mães, dia das crianças, etc.). Ou no cotidiano que nos faz tanta falta. E traz tanta saudade de momentos já vividos. Reler, reescrever fez lembrar a intensidade da minha dor, da saudade, dos sentimentos mais profundos. Aqueles que não dizemos, mas estão no nosso íntimo.
2- De onde veio a inspiração inicial?
Conversando com uma amiga sobre aquela citação: “temos que plantar uma árvore, ter filhos e escrever um livro”, comentei que só faltava escrever um livro. Ela sugeriu em transformar o blog (que já possuía) em um livro. Que lá já teria boa parte do material para isso.
Comecei a pensar e amadurecer a ideia.
Para homenagear meu filho, no sétimo ano da sua partida, comecei a elaborar o livro. Já sabia o nome: Publicações do dia 17. O mesmo nome do Blog e da página na internet. (data da partida dele em que publico textos e conteúdos).
3 - O que a escrita significa para você?
Reproduzo aqui, um texto que escrevi em setembro de 2020.
“Escrever é como girar a faca na ferida” Elena Ferrante.
Por que escrevo então?
Escrevo para mim, porque é terapêutico. Porque posso expressar os sentimentos guardados. Porque me ajuda a organizar as ideias e prosseguir. Porque seria insuportável para mim e principalmente para os outros, falar muito sobre o luto. Morte ainda é tabu. Luto é sofrimento. Numa sociedade que exalta o prazer é quase “assunto proibido”. Constrange.
Escrevo para o João Pedro. É quase como trazê-lo novamente ao nosso convívio. Para os que conheceram, recordar. Para os que não tiveram a oportunidade de estar com ele, saber da existência curta e linda deste ser iluminado. E de alguma maneira, quando declaro a saudade e o amor que sinto, imagino que essa mensagem chegue até ele.
Escrevo para quem teve uma experiência de luto intensa, como a de perder um filho. Comecei o blog, para reunir as publicações que fazia nos dias 17, em um único lugar. No começo, postava apenas textos, de outras pessoas, com que me identificava. Na missa de um ano de falecimento do João Pedro, escrevi e tive a coragem de ler uma carta para ele. Compartilhei o que escrevia, com algumas pessoas. Quando uma amiga, que havia perdido familiares, contou que os textos haviam ajudado no seu processo de luto, resolvi publicar (ainda que encabulada pelos amigos jornalistas e professores de português).
Por isso, sem qualquer pretensão literária (nem ousaria), “giro a faca na ferida”. Talvez para tirar um resíduo do que ficou. E assim, seguir adiante.
4- Existe uma trilha sonora ou playlist que serviu de inspiração para o seu livro?
Reproduzo outro texto do livro, escrito em abril de 21.
Música
“ Todo dia devíamos ouvir um pouco de música...”
Ah, música. Como nos faz recordar de pessoas, locais, períodos de nossas vidas. Como faz viajar...
Você era muito musical. Não sei se por ter sido estimulado desde cedo, ou por qualidades próprias. Tinha facilidade para tocar e cantar.
De algumas músicas, comentei e postei. Tal como Aquarela que cantávamos muito.
Algumas letras, hoje, vejo de forma diferente.
“Quando penso em você
Fecho os olhos de saudades
Tenho tido muitas coisas
Menos a felicidade “
Essa letra pensava em amor romântico. Hoje penso em você...
“ Não sei porque você se foi
Quantas saudades eu senti
E na parede do meu quarto
Ainda está o seu retrato “
Todo lugar tem meu pensamento em você.
“ De que vale o meu canto e eu
Se em meu peito há uma dor que não morreu
Ah se eu soubesse ao menos chorar
Cantador só sei cantar...”
Eu sei chorar, e muito já chorei.
Por isso:
“Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais”
E assim vamos tocando em frente...
E a que mais me dói :
“A saudade é o revés do parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh pedaço de mim
Oh metade afastada de mim”
Essa diz tudo e dói até o fundo da minha alma.
Como dizia o poeta (não a música) - Camões:
“ Alma minha gentil que tu partiste
tão cedo dessa vida descontente
Repousa lá no céu eternamente
E viva cá na Terra sempre triste”
Não sempre triste, mas com uma melancolia que às vezes assombra.
Desta vez a música do poetinha:
“ Quem já passou por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu...”
Choro, sofro, porque vivi momentos que estão eternizados, meu filho. Que não saberia quão intensos são, se não os tivesse vivido.
João Pedro fez aulas de musicalização antes mesmo de entrar na pré-escola.
Ouvia muita música desde pequeno. Tinha facilidade para cantar e tocar instrumento. Um de seus muitos talentos (na visão da mãe coruja).
Ou seja, inspirações da MPB que é o que gosto de ouvir e cantar.
Além das músicas que ele ouvia.
Ainda sobre música, segue o texto escrito em junho /21
“ Cantar é rezar duas vezes”
Fiquei pensando sobre esta frase de Santo Agostinho que o cunhado citou em uma conversa e que havia lido na mesma semana em um livro. Coincidência? Não sei.
Pensei nas canções que me fazem lembrar você. Do Acalanto do Dorival Caymmi que cantava pra vocês dormirem: “é tão tarde a manhã já vem. Todos dormem a noite também. Só eu velo por você meu bem… “.
Das cantigas de roda clássicas: “a canoa virou, por deixar ela virar…”. Você gostava do “pai Francisco entrou na roda, tocando o seu violão…"
Dos contos de fada, com parte cantadas (lembranças dos discos coloridos da minha infância): “pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar estes doces para a vovozinha” ou “eu vou, eu vou pra casa, agora eu vou…”.
E dos CDs da palavra cantada: a princípio cantadas “o que é que tem na sopa do neném.” Posteriormente, interpretadas sob a direção da Amanda: “a noite no castelo…” e a melhor parte “vira minhoca…” devidamente contorcendo no chão feito minhoca.
Depois veio o primeiro CD que me pediu para comprar: do Black I Peas, escutado no aniversário de um amigo. E o telefonema dizendo que já estava cansado de ouvir aquele CD e queria um do U2 (devia ter uns 7 anos).
Antes as músicas da escola: “perdi meu anel no mar, não pude mais encontrar”. E toda a sequência das músicas de festa junina: começando com o pezinho “aí bota aqui, aí bota aqui o seu pezinho…”, passando por “vamos dançar, em volta da fogueira…”, chegando no coco e no pau de fitas (dançado, mas não cantado).
E as músicas que pediam para eu cantar: “mãe canta a música da lua”. E lá ia eu: “a lua quando ela roda é nova, crescente ou meia-lua…”. — de novo mãe : “minguante ou meia…”.
Ah, você e a Vivi cantando a música do Frozen: “você quer brincar na neve…” e brincando com os agudos.
O astronauta que foi a música que tocou na última apresentação de piano (havia parado de estudar).
A música que tocou na sua primeira comunhão: “minha luz é Jesus, meu caminho é Jesus…” numa noite linda, sob uma lua imponente. E no hospital, na capela “quero sentir o calor das suas mãos…”
E ainda, na missa de sétimo dia com a participação dos seus amigos da escola: “tu és Senhor, o Bom pastor por isso nada em minha vida faltará...”
Como lembro disso tudo? Não sei. Memória auditiva?
Não, mais que isso. Memória afetiva.

5-Qual a parte do livro que você mais gostou de escrever?
Gostei de escrever nos dias que estava mais leve. Que não tinha tanto “pesar”…
Nos dias que apesar de tudo, sentia gratidão pelo que vivi. Por tudo a presença do João Pedro por 12 anos e meio.
Texto escrito em dezembro de 2020
Sou um poço de contradições. Descobri que a saudade que sinto nunca chega ao fim e que assim será até o fim dos meus dias por aqui, mesmo grata por esses doze anos e meio lindos compartilhados.
Ainda que você faça parte de mim, muitas vezes eu me pergunto onde você está que não aqui.
Passaram cinco anos que você se foi. Cinco natais sem você para me ajudar a montar nossa árvore. Parece tanto tempo, parece impossível. Ao mesmo tempo, as lembranças são tão vívidas que parece que foi ontem.
Às vezes não tenho vontade de fazer absolutamente nada. Outras tenho tantas atividades, quase para tentar esquecer a dor e não ter tempo para pensar.
Tem dias que sinto a gratidão que devo a Deus por ter uma família, a presença ainda dos meus pais idosos, um marido companheiro e uma filha incrível. Em outros a falta que sinto de você é tão grande que nada me consola.
Um texto que li a pouco, da genial Clarice Lispector:
“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio, apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. “
Então mesmo nessa gangorra emocional, mesmo nesse redemoinho de sentimentos, apesar de vamos vivendo.
Apesar de vamos ressignificando a vida.
Apesar de um dia nos reencontraremos.
Apesar de o sol nascerá, como disse Cartola.
(Escrito em um dia de chuva)
Este foi outro texto que gostei de ter escrito.
Onde encontro meu filho
Encontro nos textos que escrevo para ele, para mim e para quem passou e passa por uma dor assim.
Encontro nas músicas que escuto e que canto que antes tinham um significado e passaram a ter outro.
Encontro no pôr do sol que amo tanto fotografar.
Encontro durante as minhas orações e meditações.
Encontro nas suas fotos, em algumas camisas de futebol guardadas e no seu quarto que não tem mais seu cheiro.
Encontro nos almoços na casa da Bathan, no canto do sofá que ficava, no seu lugar na mesa da cozinha, agora desocupado.
Encontro nos caminhos que fazíamos juntos e que não são mais os mesmos.
Encontro nos sonhos que são raros, mas que me trazem você de volta.
Encontro nas comidas que gostava, nos desenhos que guardei, nos presentes e cartões que fez para mim ( verdadeiros tesouros).
Encontro nas caminhadas, quando sigo pensando na vida.
Encontro na chuva que traz o seu último aniversário por aqui.
Encontro nas divagações: como estaria, que altura teria, qual vestibular estaria prestando, os amigos que continuariam em sua vida.
Encontro nas lembranças, que são memórias amadas e por isso eternas.
Encontro em todo lugar, ou melhor não encontro, porque você já está em mim. Para sempre.
(Para o dia das mães, Teresa Gouvea pediu para que gravasse uma mensagem para ser publicada no Laços e Lutos (na página do Instagram), com o tema “onde encontro meu filho”. Muito honrada em participar. O vídeo ficou lindo com vários depoimentos. Emocionante).
Escrito em 08/05/2021
6- Qual a sua citação preferida do livro e porque ela é tão especial pra você?
A citação da capa: do amor que transcende a morte, eternamente.
Acreditar que o amor que sentimos vai além dessa vida, desse plano terreno.
7- Qual a mensagem principal que você espera que os leitores levem ao terminar a leitura?
A vida passa muito rápida. Um sopro. Vamos vivê-la bem. Amar e demonstrar esse amor.


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