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SEM SINAL

Por Emersoon Lima

Quando acordei percebi que tinha apenas 5% de vida.

Saltei da cama e agarrei o celular com força, um impulso repentino de atirar aquela merda na parede. Me contive a custo.

Pressionei o carregador na tomada e ajustei o cabo na entrada. Nada.

O coração disparou. Refiz a operação e novamente nada aconteceu.

− Droga. Isso não pode estar acontecendo – disse, e corri na direção do interruptor de luz, acendi e apaguei diversas vezes e o quarto continuou entregue a penumbra. Apenas alguns filetes de luz entravam pelas brechas da janela informando que o dia já tinha raiado.

Fiquei ali parado um instante, olhando para o quarto escuro e a cama bagunçada, cujo lençol tinha caído no chão.

− Sem energia. – As palavras saltaram de minha boca como uma sentença de morte. O coração batia cada vez mais acelerado. Um suor frio descia por minha testa e as mãos tremiam. O celular apitou duas vezes, implorando por recarga, implorando para que eu o salvasse daquelas horas de inconsciência a qual estava fadado.

O escuro do quarto parecia se intensificar. As paredes giravam e se aproximavam cada vez mais de mim. A respiração começou a falhar.

Corri na direção do notebook que estava em cima da mesinha e o liguei torcendo para que tivesse carregado.

Os instantes que se sucederam até ele iniciar foram os mais longos que recordo ter vivido.

A tela acendeu como um suspiro de ar de um afogado.

Agarrei o mouse e cliquei no ícone de internet com o coração dando socos dentro do peito.

Precisava falar com meus amigos, atualizar as redes sociais, jogar meus jogos, pedir comida...

Não podia simplesmente ficar offline. Morto. Esquecido em um canto qualquer, enquanto o mundo continuava a girar... A acontecer... A viver...

Demorou uns poucos minutos para o ícone da internet abrir, e então veio a sentença fatal. Uma punhalada certeira no peito que fez minha nuca arder e o coração parar por um instante.

O dinossaurinho surgiu. Aquela odiosa criatura, em meio ao deserto, que parecia sorrir e zombar de mim.

As paredes se fechavam à minha volta. A respiração vinha com dificuldade. As mãos continuavam a tremer.

O que estaria acontecendo no mundo lá fora? Alguma notícia importante? Alguma nova celebridade cancelada? Alguma modinha nova na internet? Será que entrou alguém novo nos grupos do whats? E a Naty...

− Porra. A Naty vai surtar se eu não conseguir falar com ela agora de manhã.

Então uma ideia surgiu. Puxei a gaveta da mesinha e acabei derrubando tudo no chão. Papéis, embalagens antigas de salgadinhos, algumas moedas e... Ali estava ele...

Agarrei o antigo modem e o inseri no computador. Esperei alguns instantes e...

Maldito seja esse dinossaurinho!

Fiquei ali parado, trêmulo, olhando para a tela cuja mensagem: SEM INTERNET parecia piscar.

Juro que podia ouvir aquele som agudo das máquinas de cardiograma martelando cada vez mais forte na minha cabeça.

O dinossaurinho continuava ali. A sorrir, zombeteiro.

Olhei na direção da janela. A agitação do dia lá fora tinha começado. Todos indiferentes a minha dor. A minha vida que se esvai com o piscar daquelas letras na tela do computador.

− Tenho que fazer alguma coisa... Preciso recarregar meu celular...

Agarrei o aparelho e corri na direção da janela onde algumas pessoas passavam conversando.

− Uma pane na rede elétrica – disse um

− Isso só vai ser consertado lá pelo final do dia – disse outro.

Quase gritei. Não podia ser. Era um absurdo. Ninguém podia viver um dia inteiro sem energia...

Abri a janela deixando o sol entrar. Os olhos arderam e lacrimejaram um pouco pelo contato com a luz.

Olhei em volta. Alguém deveria ter um meio de recarregar o celular... Um local com internet... Qualquer coisa...

As pessoas passavam e só então percebi uma coisa. Eu não conhecia nenhum deles. Nenhum vizinho, nenhum amigo.

Todos os meus conhecidos estavam restritos àquela pequena tela, cujo aparelho dava seus últimos bipes.

Do outro lado da rua alguns garotos brincavam em uma pracinha. Alguns com bicicletas e outros fazendo manobras arriscadas com o skate.

Olhei para a minha perna que ainda tinha uma cicatriz causada por uma daquelas manobras. Eu gostava daquilo. Gostava de competir. De me exibir com manobras ousadas. E era bom nisso.

Ah sim, era muito bom nisso.

Quase tanto quanto nos jogos online que agora passavam os dias jogando.

De repente bateu uma saudade daquilo tudo e, pela primeira vez durante aqueles quase cinco anos, cruzei a rua e fui até a pracinha.

Vários moleques estavam por ali. Todos muito novos e os quais eu não conhecia, mas tinha um. O Roberto. Ele tinha acabado de fazer uma manobra na rampa e agora estava estatelado no chão segurando as costas e com uma cara de dor. Ele sorriu quando me viu e fui até ele.

Ajudei-o a levantar e sentarmos em um dos bancos da pracinha.

− Cara. Tu sumiu. Tava viajando? O que tem feito esse tempo todo?

O que tem feito esse tempo todo?

Olhei para ele e, pela primeira vez, essa pergunta me perturbou.

Meus dias, em geral, se resumiam a conversas nos grupos do whats, tardes inteiras zapeando entre Facebook e instagram e para fechar a noite: disputas épicas online.

O dinheiro do seguro-desemprego estava se esvaindo mais rápido do que eu poderia contar, e não seria capaz de recordar a última vez que tinha ligado para os meus pais no interior.

Eles ainda achavam que eu estava fazendo faculdade. Que nada. Fui apenas duas vezes para nunca mais.

Mas, tinha 4k de amigos no Instagram e outros milhares no Facebook, além de uma centena de grupos no whats de pessoas que estavam sempre comigo. Me apoiando,me alegrando e...das quais agora eu não tinha contato nenhum.

Deixado para trás e sozinho. Sozinho como sempre tinha sido.

Enquanto pensava nisso, Roberto me contava da sua vida. Do seu casamento, do segundo filho (uma menininha muito linda, segundo ele) do novo trabalho, ao qual tinha sido promovido a gerente. Falou também do André, nosso amigo em comum de infância, que tinha ido morar no exterior, e do Julião que abriu uma nova loja de ferragens.

Desejei poder revê-los. Quem sabe a gente poderia marcar uma partida de LoL? Ou uma videochamada com todo mundo junto para falar bobagem, como fazíamos antigamente.

Sugeri isso a Roberto, mas ele me olhou estranho.

− A gente se encontra direto lá no bar do Zé Inês – disse. O rosto vermelho e suado. – Nem te chamamos mais porque você nunca aparece...

Dei um sorriso forçado e olhei para a tela do celular na minha mão, agora apagado e frio como um defunto.

Nisso, os outros garotos começaram a chamar por Roberto e ele se levantou e pegou o skate do chão.

− Aparece lá qualquer dia. Todo mundo pergunta por ti.

Ele começou a se afastar na direção da pista e eu fiquei para trás. O celular apagado. A mão suada.

Uma sensação conhecida se apoderando de mim. A mesma que me cobria nas noites de sábado, quando deitava na cama, sozinho, e tentava dormir.

Aquela coisa sufocante, aquele vazio...

Respirei fundo, olhei para o celular novamente e o meti no bolso do short.

− Roberto, Espera aí. – disse, levantando de um salto. – Alguém aí tem um skate para me emprestar?

Quando cheguei em casa no final do dia a luz tinha voltado, entrei no quarto correndo e fui direto para o computador, que estava com a tela acesa e com um monte de notificações.

Encarei-o por um instante. Ele também me encarou. Parecia sorrir. Sua luz iluminava todo o quarto.

O suor pingava por minha testa, o corpo doía pelo cansaço e pelos diversos hematomas causados pelo skate, e tudo o que eu queria naquele momento era...

Baixei a tela do computador e corri para o banho.

 

Emersoon Lima é autor do gênero terror psicológico. Com diversos contos publicados em antologias e de forma independente. O seu mais recente lançamento é intitulado Revil - O jogo da morte.


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